quarta-feira, 10 de setembro de 2014

TRADIÇÃO NA MUSICA SACRA

       

         Tradição e Contemporaneidade na Música Sacra

 



Os batistas foram os primeiros a serem entrevistados, ao mesmo tempo em que os seus cultos eram observados. Foram oito entrevistas ao longo de um mês (out. de 96). Os/as luteranos/as foram entrevistados/as no mês de dezembro de 96, sendo 6 entrevistas individuais e 6 entrevistas em grupo.
As entrevistas foram por pautas, cujo roteiro fundamentou-se nos assuntos que se desejava que fossem enfocados: 1- a tradição e contemporaneidade dos cantos dos cultos dessas comunidades,
 2- a coerência entre canto e liturgia (correspondência das diversas partes da liturgia-prédica, orações, participações espontâneas ou fixas e a música), item ainda subdividido em: a relação dos cantos com a liturgia como um todo, relação dos cantos com o sermão, com o tema do dia ou do calendário eclesiástico, relação das letras dos cantos com as principais doutrinas confessionais e com temas da sociedade atual, as participações especiais de música não congregacional, os instrumentos acompanhadores do canto e outros elementos, como arquitetônicos e estéticos, que ajudam a transmitir um clima de tradição e/ou contemporaneidade nos cultos;
 3- A análise da hinodia dos hinários oficiais e de cancioneiros que são usados rotineiramente, verificando o tipo majoritário do estilo musical (tradicional e/ou contemporâneo) empregado nos cultos; extensão desse levantamento, buscando explicações junto às pessoas que compuseram as comissões do Hinário para o Culto Cristão (HCC) e do Hinário do Povo de Deus (HPD): critérios de seleção e passos adotados na confecção dos mesmos, organização interna desses hinários e suas estruturas de conteúdos.
As perguntas foram formuladas com esse alvos preestabelecidos. Foram 14 perguntas versando sobre questões pertinentes à pesquisa e que podem ser agrupadas em três principais subgrupos: a) como essas pessoas vêem a questão da tradição e da contemporaneidade nos cantos dos cultos de sua igreja; b) que critérios as pessoas usam/usariam para a inclusão desses cantos no culto (aqui verifica-se o tipo de coerência que essas pessoas buscariam entre liturgia e música para o culto cristão); c) como essas pessoas percebem os hinários de sua denominação.
São listadas a seguir essas perguntas:

1.    O que você entende por música sacra cristã tradicional?
2.   O que você entende por música sacra cristã contemporânea?
3.   Dos dois estilos de música mencionados, qual o que você mais aprecia e por quê?
4.   Na sua igreja, qual dos dois estilos é o mais usado?
5.   Você considera que a música do culto da sua igreja está bem ajustada ao lugar em que ela é colocada dentro da liturgia?
6.    Quais as pessoas que devem/deveriam escolher os cantos dos cultos?
7.    Você já participou dessa escolha alguma vez? Que critérios usou/usaria?
8.    Como você vê a inclusão de música especial no culto?
9.     Que tipo de coerência existe entre o estilo de música usado no culto e o tipo de culto que você encontra na sua igreja?
10. Que tipo de relação você faz entre música tradicional/ contemporânea e faixa etária?
11.  Que critérios de escolha você usa/usaria para os cantos do culto?
12.  Que acha do hinário da sua denominação? Ele atende bem às necessidades do culto da sua igreja? Há alguma lacuna ? Explique.
13.  Que acha dos hinos do hinário? Cite um dos que mais gosta e outro que você menos gosta e explique a razão.
14.  Se você fosse fazer um hinário, que hinos você colocaria lá e que critérios usaria para essa seleção?

O procedimento metodológico adotado nessa etapa constou do levantamento das respostas, através da codificação das entrevistas efetuadas. Essas respostas estão registradas em gravações e em anotações individuais da pesquisadora . Como complementação, foram assistidos dez cultos. Foi também feita uma análise dos hinários adotados como oficiais das duas igrejas: o HCC, dos batistas da CBB e o HPD, dos luteranos da IECLB. Procurou-se avaliar a contribuição desses hinários para o culto de cada igreja, observando-se o tipo majoritário do estilo musical ali presente (tradicional ou contemporâneo).
 Além dessa análise, pesquisaram-se os critérios adotados pelas comissões que os elaboraram.
As respostas à pesquisa para o conceito de “tradição” revelaram que o termo traz a idéia de elo com o passado, consideração encontrada nos dicionários , mas acrescida da informação de que os hinos e cantos tradicionais encontram-se nos hinários e que seus textos são mais elaborados. Até aqui destacam-se três elementos importantes para a futura leitura: o problema das gerações ou do “choque” entre gerações; o valor dos hinários para a perpetuação de uma tradição (entendida dentro de sua confessionalidade) e a riqueza dos textospertencentes a essa categoria de canto. Além dessas considerações, as pessoas contribuíram com exemplos de hinos que consideram tradicionais: o coral alemão do século XVI foi destacado como padrão. Como adendo, o problema das traduções foi colocado como procedimento perigoso, que pode tirar a beleza das versões originais.
Na presente pesquisa, foi relativamente fácil avaliar as críticas pertinentes a cada geração: uma senhora mais idosa disse não gostar da música contemporânea por ser “barulhenta”; outra da mesma faixa etária afirmou que a música contemporânea não prepara o “clima” do culto; uma jovem declarou não gostar de usar o hinário porque ele “tole ” a expressão gestual; um líder disse que a música tradicional “não fala tanto às pessoas hoje”.
Quanto à questão do texto dos hinos, precisa-se avaliar o quanto hinos tradicionais funcionam como veículos de uma mensagem cristã permanente em contraposição à efemeridade da maioria da música contemporânea. É preciso consultar com um maior aprofundamento quais seriam as características que perenizam um canto. Desconfia-se aqui que o critério denominado por L. WEINGÄRTNER como “cantabilidade” seja um dos que caracterizaria a durabilidade de um canto, opinião abalizada por J. WILSON , quando faz uma análise dos elementos que podem oferecer essa “cantabilidade” e o que denominou de “memorabilidade”.
E. ROUTLEY contribui para a concepção dessa perenização ao destacar que o hino deve ser acessível aos não musicais . Ele também considera que os conteúdos de maior apelo popular podem universalizar e perenizar o canto se contiverem aquilo que o povo mais anseia ou se lidarem com as questões que mais lhe afetam: o amor, o trabalho e a morte. “Hymns are a kind of song: but they differ from professional song, or an art-song, in being songs for unmusical people to sing together. The music carries the poetry into the mind and experience [...]. Hymns, being communal song, have a good deal in common with folk song [...]. Secular folk song goes with words concerned with things that mean most to a community: basically these are love, work and death “.
Ao estudar os cantos das diversas fases da história, principalmente aqueles que ficaram como legado universal para todos os cristãos, sem limites confessionais, convinha verificar que quesitos, incluindo os acima descritos, determinam essa atemporalidade e esse universalismo. Por outro lado, existem cantos que não vão se classificar dentro desse universo maior, por causa do conteúdo catequético de seus textos. Segundo sugestão dada nas entrevistas, cada comunidade deve estar atenta para que cantos assim não venham fragilizar suas posições doutrinárias e, por esse motivo, se faz necessária a escolha criteriosa dos cantos para o culto.
A emoção, quase sempre aliada às experiências de infância, foi um elemento bastante citado. Ela estaria mais presente nesses hinos do passado. Esse aspecto, porém, pode comprometer uma escolha consciente, porque a emoção tende a excluir a razão. Essa colocação ficou evidenciada numa certa colocação expressa nas entrevistas de que , qualquer dos dois tipos de música, seja tradicional, seja contemporânea, será aceita se preencher o gosto pessoal (aqui entendido de quem estava enunciando o problema). Outro critério apontado como capaz de harmonizar as duas tendências é a adequação da música à liturgia.
Quanto ao conceito do que essas pessoas entrevistadas consideram como “contemporâneo” dentro da música sacra cristã, foram listadas as seguintes características: música nova, atual, apreciada pelos jovens; o ritmo tem características da música autóctone local, no caso, da música brasileira, e o clima que transmite é de alegria. As três palavras em negrito destacam aspectos a serem considerados durante a pesquisa para a conceituação do que vem a ser música contemporânea: há que se observar as características musicais daquilo que é cantado no contexto sócio-cultural onde a ação se passa, notoriamente da música secular, pois é onde o conceito de atualidade se baseia; será necessário averiguar ainda se essas características carregam algum traço da música nativa ou se reproduzem tendências de âmbito popular maior, além das fronteiras nacionais.
 Quanto à característica da “alegria”, parece estar conectada com o perfil da faixa etária que mais solicita esse tipo de música, que são os jovens. Será obrigatório o estudo dos distintivos musicais principais das diversas fases da história da música para que se defina com clareza se tal peça musical detém ou não essas características que a fazem contemporânea. No caso da pesquisa ora em análise, as pessoas disseram que uma das marcas da contemporaneidade está presente no tipo de instrumentos que acompanham o canto: são os eletrônicos, a percussão e o violão. 
A colocação de que os textos da música sacra contemporânea são mais superficiais do que os da música tradicional precisa ser avaliada no presente contexto das comunidades analisadas, pois no romantismo do final do século XIX e início do XX, de onde procede a maioria da hinodia tradicional que está nos hinários atuais, os versos medidos e rimados eram o veículo normal da linguagem, não diferindo tanto da prosa. Por que razão os textos atuais são mais superficiais? Seria pela falta de uma linguagem poética ou porque seu conteúdo teológico é fraco? O conteúdo desse texto também há de refletir as tendências teológicas adotadas pelo grupo como sendo as do momento.
Em relação ao item “escolha dos cantos”, convém destacar dois pontos que haviam escapado à percepção anterior da autora sobre o assunto: a influência dos líderes sobre seu grupo e o senso de que deve existir uma espécie de “democratização” na escolha dos cantos para o culto.
Ficou abertamente patenteado que os líderes podem influir bastante para que uma comunidade venha a optar pela tradição ou pela contemporaneidade nos seus cantos. No caso da pesquisa empreendida, percebeu-se que os líderes batistas estão em um processo de mudança da música tradicional para a contemporânea, mas ainda não sabem bem que critérios devem ser tomados para essa opção. Por um lado, porque anteriormente essa era a prática local ou porque ainda existem muitos membros adeptos dessa tendência, decidem que alguns hinos tradicionais do hinário devem ser mantidos no culto.
 Por outro lado, para agradar à juventude e por influências dos carismáticos, incluem em seus cultos cantos dessa procedência, de vários cancioneiros, cuja letra nem sempre se coaduna com o tema do sermão ou do ano eclesiástico. Quanto à liderança da comunidade luterana, constatou-se o cuidado do líder principal em selecionar cantos temáticos , independente se tradicionais ou não, embora se tenha percebido os contemporâneos serem minoritários ali. Que conseqüências podem advir para uma comunidade cuja liderança julga importante “agradar” à juventude e incluir, sem critérios firmes, cantos “modernosos”, mas fracos em seus conteúdo teológico-confessional? Como lidar com o fato de que há de haver contextualização litúrgica, mas sem empobrecimento das verdades da fé confessional?
O que se denominou “democratização” na escolha dos cantos vem a ser a sugestão dada por alguns dos/as entrevistados/as para que haja a participação do povo nessa tarefa. Essa participação foi sugerida para uso nas comunidades locais, porém ficou o alerta para que, mesmo em empreendimentos de caráter mais geral, como a confecção de um hinário, os líderes não se esqueçam de consultar o povo.
O último ponto abordado, que enfoca os hinários das comunidades em estudo, teve tripla finalidade: a) entender melhor a opinião das pessoas entrevistadas; b) verificar nesses hinários a tensão entre tradição e contemporaneidade; c) aferir que contribuições as pessoas entrevistadas deixaram para a redação do último capítulo da tese.
O HCC espelha a visão dos batistas da CBB do fim dos anos 80 e início da década de 90. O HPD reflete os luteranos e luteranas do final dos anos 70 e começo dos 80. Em relação aos batistas, sabe-se que têm necessitado usar outras fontes para os cantos de seus cultos. Isso pode revelar lacunas existentes na hinodia do HCC, como linguagem descontextualizada e estilo musical defasado, mas também pode caracterizar uma tendência já do final dos anos 90 de as igrejas batistas adotarem os procedimentos que carismáticos vêm usando desde o final dos anos 60. Os luteranos da comunidade em estudo continuam usando o HPD, mesmo vendo nele um veículo desatualizado. Em seus cultos, fala mais forte a tradição luterana. Toda e qualquer inclusão de cantos de outras fontes passa pelo crivo teológico do pastor, mesmo que essa inclusão seja em número quase inexpressivo.
Nessa pesquisa , notou-se que os hinários são importantes para as pessoas. Elas gostam dos hinários de sua denominação, mesmo apontando falhas e lacunas a serem preenchidas no futuro. Elas ainda têm consciência de que, mesmo incompletos e/ou ultrapassados, esses hinários falam por elas, expressando verdades religiosas através de uma linguagem poética e musical.
 As considerações que levantaram acerca dos hinários serão importantes para o último capítulo. São elas: os hinários devem veicular as verdades doutrinárias do grupo (ressalva de um luterano: sempre com bom conteúdo evangélico); precisam ter uma boa organização estrutural, de sorte que os hinos fiquem fáceis de serem achados através de seus índices; precisam conter vasto e diversificado conteúdo cristão, com estilos musicais variados, a fim de atender à grande diversidade das comunidades em âmbito nacional; podem apresentar apêndices com orações, credos e sugestões que ajudem a liturgia.
Os hinários dão uma visão não só da identidade da denominação que representam como também ajudam a esclarecer quais as preocupações de ordem teológica, confessional, doutrinária, litúrgica e social do grupo através da história. Eles ainda expressam o modo de pensar daquele grupo no momento de sua concepção, estampado no tipo de hinodia selecionada. Cabe aos comitês de organização serem porta-vozes dos anseios e valores daqueles que ali congregam, tarefa reconhecidamente árdua e problemática, por motivos que vão da exigüidade de tempo até os mais esdrúxulos.
A autora, com os dados colhidos nessa pesquisa, deseja voltar ao início dos registros veterotestamentários e seguir pela história da música sacra cristã, detectando na releitura dessa história, como as pessoas através dos tempos lidaram com tradição e contemporaneidade e buscando critérios que possam ajudar a pessoas do tempo atual a manejarem a mesma tensão.


BIBLIOGRAFIA

CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA. 1a. ed. Hinário para o Culto Cristão. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1990.

Nenhum comentário:

Postar um comentário