Cantar os salmos
Quando músicos pensam a respeito de boa música de igreja, o
adjetivo “reformada” não costuma ser o primeiro a vir à mente. É mais que
provável que se pense no coral luterano, no antema anglicano ou até mesmo na
grandiosa polifonia renascentista e no ordinário da missa católico-romana. Mas
música reformada? Raramente. E isso se deve em geral a uma distorção por parte
de cristãos reformados em relação à teologia da música em Calvino.
Frequentemente citado falsamente como um desprezador da música, Calvino desejava
que a música (e, particularmente, os Salmos) desempenhasse um papel de destaque
na liturgia da igreja. Para tal finalidade, ele supervisionou a montagem do que
se tornou talvez o maior hinário (melhor dizendo, saltério) jamais publicado na
história da igreja moderna.
Calvino testemunhou o desenvolvimento do Saltério
de Genebra ao longo
de vinte e três anos. Diversos saltérios incompletos foram publicados, mas a
versão final completa apareceu em 1562. Dentro de poucos anos, toda a Europa
estava a cantar os Salmos confore as melodias genebrinas. O que fez com que o Saltério
de Genebra fosse tão
bem-sucedido? Para mencionar somente um fator, as melodias constituem excelente
música veiculada na mais simples forma. Porém, seu sucesso também se deve
consideravelmente ao trabalho de Claude Goudimel, músico, publicador e
huguenote [ou calvinista francês]. Goudimel não escreveu uma só melodia para o Saltério
de Genebra, mas ele harmonizou todo o saltério duas vezes e estava
a compor motetos baseados em diversos dos Salmos quando faleceu. Foi mediante a
publicação dessas harmonizações, feitas para serem usadas no lar, que os Salmos
genebrinos foram primariamente disseminados.
Até onde se sabe, Goudimel nasceu em Besançon, França, entre 1514
e 1520. Sua primeira composição publicada (1549) foi uma “chanson” escrita
enquanto era ainda estudante na Universidade de Paris. Dois anos mais tarde,
tornou-se revisor para a casa editora recém-formada por Nicolas Du Chemin. Daí
em diante, Goudimel se tornou seu editor musical e sócio até 1555, trazendo
grande sucesso a Du Chemin no mercado de publicação de partituras. A criação
musical de Goudimel durante aqueles anos e até a década de 1560 foi prolífica,
incluindo quatro das suas cinco “missas”, três “Magnificats”, dezenove
“chansons” espirituais, dezenas de “chansons”, oito livros de Salmos arranjados
como “motetos” e duas harmonizações completas do Saltério
de Genebra.
O primeiro dos saltérios de Goudimel foi publicado em 1562 em
Paris por Le Roy e R. Ballard e continha, inicialmente, oitenta e três Salmos.
As melodias haviam sido tomadas do Saltério de Genebra de 1551. Quando o Saltério
de Genebra foi
completado em 1562, Goudimel pôde então terminar o seu saltério e harmonizar
todos os cento e cinquenta Salmos. Seu saltério completo foi publicado em 1564.
As melodias encontravam-se na voz do tenor, com exceção de algumas que foram
colocadas no soprano. As harmonizações foram dispostas em contraponto
nota-contra-nota, uma forma que alguns hinos seguem.
Os herdeiros de François Jaqui republicaram o saltério de Goudimel
em Genebra, 1565. Esta edição (frequentemente chamada de Saltério
de Jaqui) aparentemente foi formulada para uso eclesiástico e
doméstico, visto que inclui as Formas de Prece,
que é a liturgia genebrina. Também inclui o catecismo, o credo das Igrejas
Reformadas e o texto completo dos Salmos metrificados com suas respectivas
disposições musicais. Esta edição, além disso, é prefaciada por um texto de
Calvino e, também, pela “epístola” introdutória de Teodoro Beza publicada no Saltério de Genebra de 1562. Os arranjos vocais não
foram feitos para uso na igreja, e sim no lar. Goudimel deixa isso claro em seu
texto introdutório:
“Aos Nossos Leitores: Às melodias dos Salmos nós, neste pequeno
volume, adaptamos três vozes, não para vos induzir a cantá-las na Igreja, mas
sim para que possais vos regozijar em Deus em privado, em vossas casas. Isso
não deve ser visto como uma coisa perversa, ainda mais porque a melodia a ser
utilizada na Igreja foi deixada em sua versão integral, [podendo ser vista] tal
como se somente ela tivesse sido publicada”.
Apesar disso, dentro de uma só geração, os Salmos eram em diversas
ocasiões entoados com todas as quatro vozes na igreja e a versão de Goudimel
era a mais usada dentre todas. As harmonizações eram tão populares que mesmo os
luteranos as emprestaram (quase que verbatim) para uso no saltério alemão
editado por Ambrosius Lobwasser. Pelo Saltério Lobwasser (Leipzig, 1573), a influência da
tradição genebrina foi claramente marca da hinódia luterana daquela época.
No seu segundo arranjo completo dos Salmos, Goudimel utilizou as
melodias genebrinas tradicionais. Elas foram, na maioria, colocadas na voz do
soprano, ao passo que as demais vozes empregavam um contraponto mais imitativo.
Entretanto, o contraponto não era tão elaborado a ponto de ser confundido com o
estilo “moteto”. Esses belos arranjos foram publicados em 1568.
Goudimel vivia na cidade huguenote de Metz quando trabalhou nesses
saltérios. Ele se tornou huguenote por volta de 1560. Deixou Metz em 1567
porque o novo governador era hostil aos protestantes. Viveu em sua cidade natal
de Besançon por um curto período, até mudar-se para Lyons. Durante as
convulsões que varreram a França no massacre do Dia de S. Bartolomeu, Goudimel
foi martirizado quando o massacre fez seu efeito surtir em Lyons entre 28 e 31
de Agosto de 1572.
Medo
de Cantar os Salmos
Tenho me surpreendido com o fato de que Igrejas de herança
reformada, como as presbiterianas, têm resistido à prática cúltica de cantar os
Salmos e vão além, se opõem frontalmente ao cântico dos hinos de Sião. O fato
de igrejas presbiterianas no Brasil não cantarem salmos há dezenas de gerações,
não traz surpresa, pois hoje sabemos a razão básica. A Igreja Presbiteriana
quando foi estabelecida no Brasil já não cantava exclusivamente os salmos,
visto que os missionários que aqui aportaram vinham de um contexto americano
onde esta prática havia cessado. Além disso, vinham de um contexto onde uma de
chuva hinos foram compostos e incluídos, de forma inovadora, na liturgia do
culto e especialmente na evangelização. Neste período o amor pelo cântico dos
salmos começou a se desvanecer. Mas ainda que não os cantassem exclusivamente,
cantavam-nos inclusivamente nos cultos de adoração com alegria no coração. Não
é de admirar que uma igreja que esquece sua história, seus padrões de fé e sua
tradição reformada, desconheça o culto reformado e o saltério. Hoje, a
existência de uma igreja presbiteriana que canta salmos é fato muitíssimo raro.
Fui de uma geração que conheceu ainda os Salmos e Hinos[1] como
o hinário adotado pelas igrejas presbiterianas do Brasil. Para ser sincero,
nunca vi nenhuma ênfase dada à importância de se salmodiar, como era próprio
dos presbiterianos e reformados de outrora. Porém ainda havia resquícios desta
antiga prática Congregacional e Presbiteriana. Vi a transição do hinário Salmos
e Hinos para um hinário que quase exclui os salmos, usado hoje pela IPB e com o
reforço de cânticos chamados de “espirituais”, muitos deles de autores
desconhecidos, de teologia rasa e confusa. Sei que alguns hinos são apenas
baseados em algum salmo, ou apenas parte de alguns deles.
Posso dizer que, nascido no final da década de 40, fiquei por
mais de 40 anos ignorando o valor que historicamente os calvinistas e
presbiterianos do mundo inteiro davam à salmodia. Permaneci tanto tempo na
ignorância sem saber que o cantar salmos com gratidão no coração sempre foi uma
marca distintiva das igrejas reformadas oriundas da Reforma, especialmente de Calvino[2]
e, como a maioria dos presbiterianos, eu não conhecia esta assertiva da
Confissão de Fé de Westminster. Não precisamos falar muito para mostrar que o
povo cristão “reformado” do Brasil viveu também nesta ignorância, como eu.
Quantos líderes de música nas igrejas presbiterianas conhecem a história da
salmodia e seu valor? Por que sua Igreja não canta salmos e porque o Brasil não
tem saltério até o dia de hoje? Pergunte ao seu pastor e a seus presbíteros.
Pergunte por que o piedoso reformador Calvino afirmava: “Não é possível achar
melhores ou mais adequados cânticos para esse fim que os Salmos de Davi,
inspirados pelo Espírito Santo”. É importante conhecer a resposta, mesmo que
isso o entristeça — Em tristeza o coração é quebrantado.
Hoje sabemos como os reformados valorizavam os salmos, os hinos
e os cânticos espirituais de Davi. Hoje já há alguma literatura sendo escrita e
traduzida no Brasil sobre o tema. Pequenos grupos têm se organizado ansiosos
pela confecção do primeiro saltério Brasileiro mas, infelizmente sem a
iniciativa de algum órgão oficial eclesiástico ou mesmo de algum profissional
experimentado designado e supervisionado pela Igreja. Para muitos se tornou um
sonho ter nas mãos um saltério para o crescimento na piedade e para edificação
da Igreja brasileira e dos lares evangélicos, usufruindo da profundidade
teológica encontrada nos Salmos e raramente encontrada nos escritos não
inspirados. Muitos pais sonham em ver os filhinhos da aliança salmodiando ao
Senhor com os cânticos soprados pelo Espírito, e seus velhinhos sendo
confortados antes da morte com sua mensagem de esperança.
Philip Schafff, um historiador reformado, assim se expressou: “O
cântico de salmos tornou-se essencial para a piedade calvinista. Os
protestantes franceses, ao serem levados para a prisão ou para a fogueira,
cantavam salmos com tanta veemência que tornou-se proibido por lei cantar
salmos e aqueles que persistiam tinham sua língua cortada. O salmo 68 era a
Marselhesa huguenote”.
Hoje muitos têm louvado a Deus com estes cânticos inspirados nas
igrejas, simpósios, congressos e conferências. Há uma explosão de alegria em
muitos corações pelo fato de terem descoberto esta recomendação bíblica e
confessional (CFW, Cap. XXI.V). Creio que, pela providência de Deus, muitas
igrejas no Brasil já cantam os salmos inclusive igrejas Batistas e
Congregacionais. O desejo por esta prática cresce a cada dia e muitos não
apenas desejam ser ouvintes, mas praticantes cantores dos salmos.
No entanto, ainda estamos muito longe de uma Reforma cúltica
onde as Igrejas Presbiterianas sejam conhecidas pelo zelo no seu louvor
congregacional. Mais que isso, muitos líderes estão atemorizados pela
possibilidade de que isso venha a acontecer. “Seria um retrocesso”, dizem eles;
“seria uma confusão nas igrejas”, advertem; “o que faríamos com nosso hinário e
nossos hinos e corinhos tão amados...?, alguns indagam; “temos de ser prudentes
e sábios, pois nosso contexto é outro”, concluem, minimizando a assertiva. Isso
apenas revela insegurança e temor, uma quase fobia, claramente incompreensível.
Maior temor
Para atemorizar mais ainda, há aqueles que defendem a salmodia
exclusiva, e que são vistos como um grupo presbiteriano e reformado radical
como se estes, durante 200 anos após a reforma, concebessem uma “errada
teologia” da adoração e que hoje se choca frontalmente com a “teologia correta”
da igreja contemporânea. Bem, aqui chegamos ao ponto nevrálgico da questão.
Este grupo salmodista provoca medo e repulsa no meio presbiteriano a ponto de
muitos não admitirem o fato de que é um dever do povo de Deus cantar a Bíblia e
não apenas lê-la. Já pensou? É como se dissessem: Nós só queremos ler os salmos
e ouvir suas mensagens, mas não cantá-los. Como pode ser isso? Esse receio
brota da possibilidade de serem vistos e confundidos com este grupo
“puritânico”.
Bem, não concordar com
salmodia exclusiva é uma coisa, não cantar os salmos é outra coisa. Radicalizar
aqui é cair no pecado da reforma radical quando os anabatistas rejeitavam tudo
que lembrasse a aparência de romanismo, mesmo que fosse bíblico. Diríamos que
eles “jogavam fora a água do banho com a criança e tudo”. Aliás, naquela época
muitos chamavam os reformados de católico-romanos, por se assemelharem aos
romanistas que incluíam em sua liturgia fixa o cântico dos salmos através dos
corais.
O
medo continua
Aqui é necessário, também, mencionar aqueles que desejam cantar
os salmos, mas não exclusivamente, como é o caso de muitas igrejas fiéis da
América e Europa. Estas igrejas procuram cantá-los, mas também cantar hinos
supervisionados e teologicamente aprovados pela história e robustos
doutrinariamente. O que dizer destas igrejas? Bem é aqui que reside a gravidade
da questão. Por quê? Porque, nem mesmo esta postura criteriosa e zelosa é aceita
pelos líderes presbiterianos no Brasil, pois o medo da salmodia ainda assim
continua. Eles se acham, se não mais sábios, pelo menos mais prudentes e dizem:
“Cuidado, tudo começa assim! Começam cantando os salmos e depois só querem
cantá-los exclusivamente; o melhor é cortar o mal pela raiz; nada de cantar
salmos, pois enfatizam demasiadamente a ira de Deus, fazem imprecações para
destruir e matar os inimigos, quebrar seus dentes e suas queixadas; não falam
explicitamente de Cristo; sua melodia é estranha, não é de nossa cultura e não
agrada aos jovens...; vamos preferir os nossos corinhos baseados em pedaços de
salmos e nossos hinos do cancioneiro brasileiro...; vamos fazer uma distinção
entre eles e os hinos tradicionais do hinário, pois temos de satisfazer aos
jovens e velhos”.
Já pensou? Isso vai totalmente de encontro com a história da
Reforma. Isso faria estremecer os nossos pais na fé, Lutero, Martin Bucer,
Calvino, os Huguenotes, John Knox e miríades de outros heróis da fé. É bom
lembrar que “o saltério tornou-se um dos livros mais importantes da reforma”.
Desafio
A liderança eclesiástica de hoje deve se empenhar para que a
salmodia volte a ser uma prática nas igrejas históricas, especialmente as
presbiterianas. Pastores e presbíteros, que pela graça de Deus, foram
impactados com esta verdade histórica e escriturística devem batalhar pela
restauração do culto bíblico e reformado, sem receio porque o povo de Deus
sempre salmodiou ao Senhor na certeza de que esta é uma ordenança de Deus.
Sendo assim, somos desafiados a vencer a timidez considerando que mais importa
obedecer a Deus do que aos homens. As Igrejas devem reformar seu culto, sendo
esse um dos maiores desafios da igreja contemporânea; a batalha de fazer
reforma é uma empreitada que poucos têm coragem de enfrentar. Podemos também
lutar implantando congregações com uma estrutura onde se tem ensino, pregação,
adoração e liturgia reformados e onde é possível se cantar os salmos.
Mas não devemos abrir uma congregação com receio dos
comentários, críticas e acusações infundadas. Muitos são tentados a pensar
assim: “Que tal, começarmos uma congregação onde de início não somos
explicitamente reformados e não se canta salmos, mas aos poucos vamos
reformando o culto?”. Bem, já pensou, se criar uma congregação não reformada e
com os mesmos vícios cúlticos contemporâneos para depois torná-la reformada?
Não nos parece sensato este pensamento. Reformar significa lutar para se reaver
o que foi deteriorado pela ignorância e desobediência e não aquilo que se estabelece
deliberadamente deteriorado. Porque não começar uma congregação reformada e ir
em frente, “reformada sempre reformando”? Por que não travar esta batalha logo
no início, para se entrar em “terra santa”?
Bem, sei que estas minhas palavras podem ser polêmicas e
críticas, mas não desejo criticar para destruir, e sim advertir e encorajar. O
Senhor é o meu juiz. Se alguém não concorda com a salmodia exclusiva, deve,
pelo menos, e no mínimo, concordar com os reformadores e cantar os hinos de
Sião. Deve cantá-los com alegria e gratidão no coração; cantar com a família,
com seus filhos e netos e contribuir para o Reino de Deus nesta e em outras
gerações. Os salmos não foram feitos apenas para serem lidos, mas também para
serem cantados como Jesus cantou, e também os apóstolos, e a igreja primitiva,
e os pais da Igreja (Agostinho), e os reformadores e também os primeiros
presbiterianos o fizeram sem temor.
Cante os Salmos sem medo e rejeição, mas com gratidão a Deus e
obedecendo à Sua Palavra!“Mas também, se padecerdes por amor da justiça, sois
bem-aventurados. E não temais com medo deles, nem vos turbeis” (1 Pedro 3:14).
[1] A coleção Salmos e Hinos, foi organizada pelo casal Dr. Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley,
fundadores da Igreja Evangélica Fluminense, a primeira igreja
evangélica em lingua portuguesa no Brasil no ano de 1855. Com salmos
parafraseados e hinos, foi usada pela primeira vez em 17 de novembro de 1861,
seis anos depois de sua chegada ao Brasil. Esta coleção foi a primeira
coletânea de hinos evangélicos em lingua portuguesa organizada no Brasil.
Também foi primeiro hinário usado por diversas denominações.
[2] “Os salmos nos incitam a louvar a Deus, orar a ele,
meditar nas suas obras a fim de que os amemos, temamos, honremos e o
glorificamos. O que Santo Agostinho diz é totalmente verdade; a pessoa não pode
cantar nada mais digno de Deus do que aquilo que recebermos dele” (Calvino).
CANTAR SALMOS DE DAVI COM
ESPÍRITO DE DAVI
QUANTO A
SALMODIA EXCLUSIVA
SOBRE A SALMODIA
Digam o que quiserem a respeito de como solucionar os problemas da igreja nos nossos dias, mas se “um retorno à Palavra” não for incluído na lista de remédios, toda tentativa de reforma será vazia de efeito. Boa parte do caos em que a igreja brasileira se encontra diz respeito à entrada de heresias perniciosas que ferem a confissão da igreja histórica e que atacam frontalmente a doutrina apostólica ensinada pelos nossos pais. E boa parte desse ingresso de elementos estranhos tem sido veiculada por meio da música. Assim, voltar a cantar a palavra de Deus será uma parte extremamente relevante da reforma da igreja, se de fato queremos uma igreja consciente de seus defeitos e ansiosa por consertá-los. Será bom, portanto, que os salmos passem a fazer parte da linguagem cotidiana da igreja da mesma forma que no passado.
Os salmos são os “cânticos do Senhor” (Sl 137.4; 1Cr 25.7). Alguns salmos, além de evidenciarem isso, também estabelecem que o canto dos salmos é uma ordenança divina (Sl 98.5; Sl 105.2). O livro dos Salmos, como o próprio nome original diz, é o “livro dos louvores” do povo de Deus. Assim, podemos concluir com o pastor batista Malcolm Watts que “a intenção divina foi agrupar salmos destinados ao uso regular e permanente na igreja de Deus” (“God’s Hymnbook for the Christian Church”, p.10). Os salmos também figuram na boca de personagens do Novo Testamento. Temos o bom exemplo de Jesus Cristo, recitando salmos durante o seu suplício na cruz (compare o Salmo 22.1 e Mateus 27.46) e cantando salmos na última ceia com os discípulos (Mt 26.30; Mc 14.26). Aliás, ele jamais faria isso com hinos e “corinhos” repletos de erros doutrinários! Em mais de uma ocasião ele recomenda o uso comunitário dos salmos como uma forma de circular a “palavra de Cristo” no seio da igreja.
Comentando essa ordem de Paulo, autores de diversas linhas teológicas e em diversos períodos históricos entenderam que “hinos e cânticos” também se referem ao saltério.
Adicione a isso o fato de Deus ter inspirado um livro inteiro de cânticos e nada parecido com isso durante a era do Novo Testamento: com certeza, o cântico dos salmos permanece uma ordenança válida tanto para a igreja antiga como para a nova. Foi exatamente dessa forma que a igreja histórica (representada por Agostinho e tantos outros) entendeu o cântico dos salmos, a ponto de ter proibido por um bom tempo qualquer cântico não-inspirado. Conforme o hinologista Cecil Northcott explica, “por conta do preconceito da igreja com relação ao louvor não-escriturístico, [...] não foi até o final do século 4 que o cântico de hinos começou a ser praticado nas igrejas” (“Hymns in Christian Worship”, p.19).
A Reforma trouxe a palavra de Deus de volta para a igreja, e isso não foi diferente no louvor. Lutero tinha os salmos em alta conta, tendo parafraseado e expandido diversos deles. Sua expansão mais conhecida é o hino “Castelo Forte”, ainda hoje entoado por diversas comunidades cristãs por todo o mundo. Reformador ainda mais preocupado em colocar os salmos na boca do povo reformado foi João Calvino (1509-1564). Calvino foi atrás dos melhores músicos da época (como Louis Bourgeois e Claude Goudimel) e de bons poetas (Clement Marot e o pastor Teodoro Beza) a fim de proporcionar para o povo de língua francesa um saltério que fosse, ao mesmo tempo, adequado ao canto congregacional e austeramente belo, para ser utilizado em particular e em público pela igreja.
Assim, com reavivamento e reforma, diversas igrejas passaram a retomar o apreço pelo saltério. Porém, foram os puritanos do século 17 que mais enfatizaram a salmodia depois da época de Calvino, tendo cristalizado, na Confissão de Westminster, o “canto dos salmos com graça no coração” (Cap. 21) como parte imprescindível do culto público. Preocupados com a ignorância geral da população, os puritanos adotaram o “alinhamento” do canto: um líder cantaria uma linha para a congregação repetir, e assim por diante. Hoje o “alinhamento” poderia ser adotado no caso de nem todos terem acesso ao texto ou à melodia escolhida para o canto congregacional. Embora a maioria saiba ler, nem todos conhecem as melodias, e não há forma mais organizada de ensinar a igreja do que esta, por meio da qual a igreja toda pode participar do canto desde o começo, e tudo isso com ordem. Por isso, o desconhecimento musical não seria obstáculo para (re)introduzir o canto dos salmos no Brasil.
Pode-se afirmar que uma igreja obediente é abençoada. Portanto, trazer a palavra de Deus de volta ao canto congregacional em cumprimento a sua ordenança é um passo promissor rumo a uma igreja mais bíblica e espiritualmente saudável. Os salmos possuem um equilíbrio temático pouco encontrado em outras coletâneas de canto congregacional. Possuem uma linguagem pouco encontrada na música e na oração evangélica contemporânea. São excelentes guias de oração e veículos para o ensino de doutrinas. Falam acerca de Jesus Cristo de um modo bastante especial (Lc 24.44). Falam das principais doutrinas cristãs.
Expressam sentimentos tanto individuais como coletivos. O texto dos salmos pode ser pregado expositivamente no culto público e o povo pode ser instruído dessa forma especial a respeito do conteúdo daquilo que canta, a fim de não tomar o nome de Deus em vão. O mesmo tipo de instrução não existe para material não-inspirado de canto.
Em nosso país, a história do uso dos salmos segue o mesmo padrão triste do resto do mundo e é praticamente impossível encontrar salmos metrificados nos hinários brasileiros (embora haja esporadicamente um ou outro). Por outro lado, existem grupos inteiros de igrejas que entoam com fervor os salmos à maneira reformada, com melodias antigas ou contemporâneas que sejam dignas de uso no culto. Voltar a cantar os salmos não é retrocesso, e sim uma retomada de um padrão bíblico no canto e no culto da igreja.
CANTAR SALMOS DE DAVI COM
ESPÍRITO DE DAVI
“……Apenas o próprio povo
de Deus tem um conhecimento íntimo e experimental das gloriosas excelências e
atributos de Deus, a saber, Seu poder, sabedoria, bondade, etc. Eles,
unicamente, têm experimentado como são doces as promessas e providências do
Senhor. Eles, e ninguém mais, sabem o que são os ofícios de Cristo em poder, e
os frutos e benefícios deles. Eles, sabem o que significa ser resgatado da
terra, da morte e do profundo inferno. Eles, exclusivamente, têm a experiência
da misericórdia e da bondade amorosa do Senhor, apoiando-os, sustentando-os, e
decretando tudo para o seu bem. Eles, somente, têm um sentimento vivo de suas
enfermidades, pois, suspiram e gemem sob o peso de suas corrupções, são
perturbados pela indisposição e indocilidade de seus corações. Estes, e tais
como estes, que são tão inspirados e afetados, podem cantar os Salmos de Davi
com o espírito de Davi. Outros podem cantar mais agradavelmente ao ouvido,
contudo, fazem apenas melodia aos ouvidos do Senhor, que contempla o coração.”… fonte WWW.salmodia.wordpress.com
QUANTO A
SALMODIA EXCLUSIVA
“‘O quê?!’ dizem alguns,
‘é ilegal cantar composições humanas na Igreja? Como pode ser isto? Por que,
eles a cantam em tal e tal lugar; grandes e bons homens, sim, e vívidos
ministros também as cantam. Você quer agora julgá-los?’ Coisa odiosa é fazer
juízo de outros, exceto se para magnificar a graça de Deus. Qual é meu parecer?
Eu não diria isto contra ninguém em assuntos indiferentes. Eu desejo ser
compassivo com as fraquezas dos homens, porque eu desejo a mesma indulgência
para comigo. Mas, no presente caso, a Escritura, que é a única regra de
julgamento, não é indiferente. Deus nos deu uma larga coleção de hinos, e nos
ordenou cantá-los na Igreja, e prometeu sua benção sobre o cântico deles.
Nenhum respeito deve ser prestado aqui a nomes ou autoridades, ainda que sejam
as maiores da terra, porque ninguém pode disputar com a ordem de Deus, e ninguém,
por sua vontade, pode compor hinos para serem comparados aos Salmos de Deus. Eu
quero saber qual o nome daquele que pretende criar melhores hinos do que o
Espírito Santo. Sua coleção se basta; não requer acréscimo. Ela é tão perfeita
quanto seu autor, e não é passível de implementação. Por que alguém, aqui,
poria na cabeça de sentar e escrever hinos para serem usados na Igreja? Isto é
simplesmente o mesmo caso de alguém que resolvesse escrever uma nova Bíblia,
não só melhor do que a antiga, mas de tal maneira melhor que poderíamos deixar
a antiga de lado. Que blasfêmia! E, contudo, nossos negociantes de ‘hinos do
Paraguai’, inadvertidamente eu espero, tem chegado muito perto da blasfêmia;
porque eles tiraram os Salmos, introduziram seus próprios versos na Igreja,
cantam seus versos com grande deleite, e, imaginam ter com isso grande
proveito; embora a prática esteja em oposição direta ao mandamento de Deus, e,
portanto, provavelmente não possa ser acompanhada da benção dEle.”
SOBRE A SALMODIA. ·
João Calvino
“Por que a
escolha dos salmos?”
O que deve ser feito, então? Usarmos músicas não somente
honestas, mas também santas, que nos sirvam de estímulo para que oremos e
adoremos a Deus, e para que meditemos sobre sua operação para que o amemos,
temamos, honremos e glorifiquemos. E, também, o que disse Sto. Agostinho é
verdade: que ninguém é capaz de cantar dignamente a Deus, a não ser [que cante]
aquilo que já recebeu dele. Portanto, quando buscarmos profundamente, e
procurarmos aqui e acolá, jamais conseguiremos encontrar canções melhores e
mais adequadas a esse propósito que os Salmos de Davi, que o Espírito Santo
falou e compôs através dele. E, além disso, quando os cantamos, estamos certos
de que Deus no-los põe na boca, como se ele mesmo estivesse cantando através de
nós para exaltar a sua glória. Donde vem a exortação de Crisóstomo a que, tanto
homens como mulheres e crianças pequenas se acostumem a cantá-los, a fim de que
isso sirva de uma espécie de meditação para que nos associemos à companhia dos
anjos.”
SOBRE A SALMODIA
John Gill
Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais, (…) Por “salmos” temos os Salmos de
Davi, e de outros que compuseram o livro que leva esse nome; e por “hinos” nós
entendemos não estes que são feitos por bons homens, sem a inspiração do
Espírito de Deus; uma vez que eles estão postos entre os salmos e os cânticos
espirituais, feitos por homens inspirados pelo Espírito Santo; e estão postos
no mesmo nível deles, e devem ser cantados juntamente com eles, para a
edificação das igrejas; porém este é simplesmente outro nome para o Livro dos
Salmos, o título corrente que poderia muito bem ser o Livro de Hinos, como é
traduzido por Ainsworth; e o salmo que nosso Senhor cantou com seus discípulos
após a ceia, é chamado “um hino”; e assim são os salmos em geral chamados de
hinos, por Filo o Judeu (1); e cânticos e hinos por Josefo (2); e “cânticos e
louvores”, ou “hinos”, no Talmude (3); e por “cânticos espirituais” temos os
mesmos Salmos de Davi, Assape, etc. e os títulos de muitos deles são cânticos,
e alguns um salmo e cântico, e cântico e salmo, um cântico de degraus; junto
com todos os outros cânticos bíblicos, escritos por homens inspirados; e que
são chamados “espiritual”, porque são compostos pelo Espírito de Deus,
consistindo de matéria espiritual, e designados para edificação espiritual; e
são opostos a todos as canções profanas, frívolas, e temerárias. Essas três
palavras [salmos, hinos, e cânticos] correspondem a Mizmorim, Tehillim, e
Shirim, os vários títulos dos Salmos de Davi; donde parece ser a intenção do
apóstolo que estes devem ser cantados nas igrejas do Evangelho; pois ele assim
fala claramente a elas mesmas, na cláusula seguinte:
Cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração;
cantando, como algo distinto da oração, tanto quanto a ação de graças que é
mencionada em Ef. 5:20 como um outro dever; este não é um louvor mental a Deus,
pois há a convocação para “falar”, “ensinar”, e “admoestar”; assim, é um louvor
a Deus com modulação de voz; e é corretamente desempenhado quando o coração e a
voz concordam; quando há melodia no coração, bem como na língua; pois cantar e
produzir melodia no coração é cantar com, ou do coração, do íntimo; como está
em outro lugar, “com graça”, como lê-se no manuscrito alexandrino; isto é, com
gratidão e agradecimento, ou, exercitando a graça; e o fim em vista deve ser a
glória de Deus.(1) De Mutat. Nomin. p. 1062. & alibi .(2) Antiqu. l. 7. c.
12. sect. 3. Tradução: Márcio Santana Sobrinho(3) T. Bab. Sanhedrin, fol. 94. 1.. Extraído de:
Exposition of the Whole Bible John Gill – Exposition
of the Whole Bible www.iprbs.word.com.br
A igreja
deveria cantar mais os salmos
Digam o que quiserem a respeito de como solucionar os problemas da igreja nos nossos dias, mas se “um retorno à Palavra” não for incluído na lista de remédios, toda tentativa de reforma será vazia de efeito. Boa parte do caos em que a igreja brasileira se encontra diz respeito à entrada de heresias perniciosas que ferem a confissão da igreja histórica e que atacam frontalmente a doutrina apostólica ensinada pelos nossos pais. E boa parte desse ingresso de elementos estranhos tem sido veiculada por meio da música. Assim, voltar a cantar a palavra de Deus será uma parte extremamente relevante da reforma da igreja, se de fato queremos uma igreja consciente de seus defeitos e ansiosa por consertá-los. Será bom, portanto, que os salmos passem a fazer parte da linguagem cotidiana da igreja da mesma forma que no passado.
Os salmos são os “cânticos do Senhor” (Sl 137.4; 1Cr 25.7). Alguns salmos, além de evidenciarem isso, também estabelecem que o canto dos salmos é uma ordenança divina (Sl 98.5; Sl 105.2). O livro dos Salmos, como o próprio nome original diz, é o “livro dos louvores” do povo de Deus. Assim, podemos concluir com o pastor batista Malcolm Watts que “a intenção divina foi agrupar salmos destinados ao uso regular e permanente na igreja de Deus” (“God’s Hymnbook for the Christian Church”, p.10). Os salmos também figuram na boca de personagens do Novo Testamento. Temos o bom exemplo de Jesus Cristo, recitando salmos durante o seu suplício na cruz (compare o Salmo 22.1 e Mateus 27.46) e cantando salmos na última ceia com os discípulos (Mt 26.30; Mc 14.26). Aliás, ele jamais faria isso com hinos e “corinhos” repletos de erros doutrinários! Em mais de uma ocasião ele recomenda o uso comunitário dos salmos como uma forma de circular a “palavra de Cristo” no seio da igreja.
Comentando essa ordem de Paulo, autores de diversas linhas teológicas e em diversos períodos históricos entenderam que “hinos e cânticos” também se referem ao saltério.
Adicione a isso o fato de Deus ter inspirado um livro inteiro de cânticos e nada parecido com isso durante a era do Novo Testamento: com certeza, o cântico dos salmos permanece uma ordenança válida tanto para a igreja antiga como para a nova. Foi exatamente dessa forma que a igreja histórica (representada por Agostinho e tantos outros) entendeu o cântico dos salmos, a ponto de ter proibido por um bom tempo qualquer cântico não-inspirado. Conforme o hinologista Cecil Northcott explica, “por conta do preconceito da igreja com relação ao louvor não-escriturístico, [...] não foi até o final do século 4 que o cântico de hinos começou a ser praticado nas igrejas” (“Hymns in Christian Worship”, p.19).
A Reforma trouxe a palavra de Deus de volta para a igreja, e isso não foi diferente no louvor. Lutero tinha os salmos em alta conta, tendo parafraseado e expandido diversos deles. Sua expansão mais conhecida é o hino “Castelo Forte”, ainda hoje entoado por diversas comunidades cristãs por todo o mundo. Reformador ainda mais preocupado em colocar os salmos na boca do povo reformado foi João Calvino (1509-1564). Calvino foi atrás dos melhores músicos da época (como Louis Bourgeois e Claude Goudimel) e de bons poetas (Clement Marot e o pastor Teodoro Beza) a fim de proporcionar para o povo de língua francesa um saltério que fosse, ao mesmo tempo, adequado ao canto congregacional e austeramente belo, para ser utilizado em particular e em público pela igreja.
Assim, com reavivamento e reforma, diversas igrejas passaram a retomar o apreço pelo saltério. Porém, foram os puritanos do século 17 que mais enfatizaram a salmodia depois da época de Calvino, tendo cristalizado, na Confissão de Westminster, o “canto dos salmos com graça no coração” (Cap. 21) como parte imprescindível do culto público. Preocupados com a ignorância geral da população, os puritanos adotaram o “alinhamento” do canto: um líder cantaria uma linha para a congregação repetir, e assim por diante. Hoje o “alinhamento” poderia ser adotado no caso de nem todos terem acesso ao texto ou à melodia escolhida para o canto congregacional. Embora a maioria saiba ler, nem todos conhecem as melodias, e não há forma mais organizada de ensinar a igreja do que esta, por meio da qual a igreja toda pode participar do canto desde o começo, e tudo isso com ordem. Por isso, o desconhecimento musical não seria obstáculo para (re)introduzir o canto dos salmos no Brasil.
Pode-se afirmar que uma igreja obediente é abençoada. Portanto, trazer a palavra de Deus de volta ao canto congregacional em cumprimento a sua ordenança é um passo promissor rumo a uma igreja mais bíblica e espiritualmente saudável. Os salmos possuem um equilíbrio temático pouco encontrado em outras coletâneas de canto congregacional. Possuem uma linguagem pouco encontrada na música e na oração evangélica contemporânea. São excelentes guias de oração e veículos para o ensino de doutrinas. Falam acerca de Jesus Cristo de um modo bastante especial (Lc 24.44). Falam das principais doutrinas cristãs.
Expressam sentimentos tanto individuais como coletivos. O texto dos salmos pode ser pregado expositivamente no culto público e o povo pode ser instruído dessa forma especial a respeito do conteúdo daquilo que canta, a fim de não tomar o nome de Deus em vão. O mesmo tipo de instrução não existe para material não-inspirado de canto.
Em nosso país, a história do uso dos salmos segue o mesmo padrão triste do resto do mundo e é praticamente impossível encontrar salmos metrificados nos hinários brasileiros (embora haja esporadicamente um ou outro). Por outro lado, existem grupos inteiros de igrejas que entoam com fervor os salmos à maneira reformada, com melodias antigas ou contemporâneas que sejam dignas de uso no culto. Voltar a cantar os salmos não é retrocesso, e sim uma retomada de um padrão bíblico no canto e no culto da igreja.
FONTE www.ultimato.com.br
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